22 de mar. de 2013

Você não precisa ir ao Tibete (ou a algum outro lugar remoto) para se tornar um gestor melhor

Você não precisa ir ao Tibete (ou a algum outro lugar remoto) para se tornar um gestor melhor
Um dos livros mais vendidos no Brasil há anos, ora considerado uma publicação de administração e ora de autoajuda, sugere que, para se tornar um gestor melhor é preciso se redescobrir por meio de um processo de autorreflexão. Nele, um executivo com problemas familiares e laborais, decide fazer uma tentativa pouco convencional para resolvê-los. E qual o melhor lugar para isso senão um local religioso com o apoio de monges? Esse executivo, até então gerenciando em bases tradicionais, sai desse processo de transformação como um gestor mais humano e como uma pessoa melhor, com novas premissas sobre o seu papel de líder.
Consideramos, porém, que há outras maneiras, simples e eficazes, a partir de uma reflexão de como deve ser exercido o papel da liderança, de tornar os gestores e líderes mais eficazes e satisfeitos. E que não precise afastá-los do dia-a-dia. Basta usar a sua própria organização para testar e aprender novas ideias, métodos e valores sobre o seu trabalho e a sua relação com as outras pessoas.
Tomemos, como exemplo, o processo de gestão A3*, o qual imagino que você conheça e até mesmo o pratique. Trata-se de um excelente exemplo do exercício de humildade por parte do gestor. Partindo de uma folha de papel em branco, o gestor reconhece a sua ignorância ao buscar um processo de entendimento rigoroso e científico da situação atual de um tema ou de um problema. Mas para fazer isso, não basta apenas o seu conhecimento anterior. Ou as suas premissas ou mesmo conceitos prévios. É preciso vestir a "sandália franciscana" da humildade, sair do conforto do seu escritório ou das salas de reunião e ir ao gemba, o local onde as coisas acontecem, falar com as pessoas engajadas nos processos concretos e observar com seus próprios olhos. Com isso, deve-se evitar o "já sei, já conheço". E o pior, "aqui está a solução". Ambos devem ser substituídos por perguntas investigativas como "o quê?" e "por quê?" até que os fatos concretos, os dados e informações relevantes, bem como suas causas emirjam com clareza.
Mas o exercício de humildade continua nas etapas seguintes do processo A3. Na hora de pensar em contramedidas, alternativas ou soluções, as pessoas envolvidas também precisam ser consultadas, pois podem vir dali as melhores ideias e sugestões, e não necessariamente do pretenso gestor "brilhante". O controle do 'ego' precisa ser exercido mais uma vez nessa etapa de elaboração do A3. Será colocada à prova o verdadeiro trabalho em grupo no qual a empatia, o saber ouvir e, mais do que isso, o saber escutar, deverão ser exercidos em sua essência e plenitude na resolução de problemas práticos e relevantes, e não como parte de algum treinamento especial.
O A3 resultante será tão melhor quanto for a capacidade do seu autor de se engajar em um processo de diálogo franco e aberto com todos os envolvidos, em particular com o seu mentor, a pessoa mais interessada e comprometida em sua resolução e finalização. Para isso, ele precisa confiar nas pessoas, conquistar a vontade, o interesse e a disposição das mesmas em contribuir, ao ser respeitado mais pelo seu conhecimento e capacidade do que por posições formais na hierarquia. E, o mais importante, passa a ser a responsabilidade sobre o A3, e não a autoridade, para permitir que o gerenciamento seja feito como se o líder não tivesse poder algum.
Assim, as contramedidas e o plano de ação resultantes desse processo não são necessariamente o que o seu autor propunha ou mesmo imaginava, mas o conjunto de ideias e sugestões daqueles envolvidos diretamente com as atividades. Um bom A3 é resultado de um bom processo de diálogos e de compromissos assumidos. Isso pode, muitas vezes, requerer muita paciência. Fomos criados para avançarmos cada vez mais rápido, e as novas tecnologias cada vez mais nos pressionam para isso. Nesses caos, às vezes, ir devagar pode ser muito melhor.
O líder "sabe tudo", que tem a solução que todos esperam, deve ser substituído pelo líder que sabe fazer as perguntas certas, que faz as pessoas pensarem. Saber formular a pergunta certa é central no exercício desse novo papel. Mas o propósito não é apenas ajudar a entender os problemas. Ou identificar desperdícios ou mesmo pensar nas possibilidades de melhorias, quer sejam pontuais, quer sejam sistêmicas. Mas, além disso, deve-se desafiar as pessoas a fazerem coisas que elas julgavam ser incapazes de fazer. Desafiar as pessoas é a última etapa do processo de respeitar -> confiar - > desenvolver as pessoas. (Veja o artigo de John Shook).
É dessa forma que efetivamente se ajuda e respeita as pessoas, com foco na melhoria das atividades e dos processos, sempre tendo em vista as necessidades e o propósito do negócio, com foco nos clientes.
Não é tarefa fácil transformar valores e pressupostos pessoais, enraizados em anos de formação e experiência pessoal aprendida nas escolas e na família, e, principalmente, profissionais, quase sempre em múltiplas organizações, que geram um determinado padrão dominante de comportamentos e atitudes. Sair um pouco da rotina às vezes angustiante do dia-a-dia pode ser um exercício útil para permitir uma autorreflexão sobre os limites da visão do "comando e controle" e dos benefícios de entender e posicionar o papel da liderança como um dos elos na cadeia de ajuda a quem efetivamente agrega valor.
Mas, que tal não esperar e tentar começar hoje mesmo? E não precisa esperar a ajuda de ninguém, quer seja um monge ou algum outro agente externo. A razão deve prevalecer sobre as emoções na gestão lean. Mas um novo tipo de razão, no qual o papel do líder seja profundamente distinto dos padrões dominantes de hoje.
José Roberto Ferro
Presidente
Lean Institute Brasil

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