13 de mai. de 2011

RELATO DO ACIDENTE DA ALDA NO MARUMBI

Salve Montanhistas!!!
Relato enviado pela vítima, Alda Maria de Souza ao COSMO, que foi repassado à equipe e demais participantes do resgate. Devido à riqueza de detalhes e aprendizados, solicitei a liberação à Alda para postar na lista do CPM, do qual a Alda já fez parte, tem vários amigos e não quer que ninguém cometa os mesmos erros.

Segue: Nota do digitador  Manuscrito na cama do hospital enquanto se recuperava...
 
Acidente por queda da corrente da janela da Noroeste, dia 19 de Março de 2011.
Parque Estadual Marumbi
  
Já estávamos caminhando a mais e 16 horas. A subida pela frontal havia sido difícil e o retorno pela Ponta do Tigre aumentou demais o caminho. Quando cheguei à pedra com a corrente, já na trilha do Abrolhos, estava exausta demais. Lembro que ergui a corrente, comecei a descer e pensei que a corrente estava pesada demais. De repente ela simplesmente desapareceu e eu deslizei de costas pela pedra, caindo na vala logo abaixo, ainda ouvi o sem de algo como um galho quebrando, só que dentro de mm. Tentei me mover, não eu. Doía demais. Pensei que os braços e as pernas estavam ok, conseguia mexe-los, mas não podia sair dali.
Felizmente o restante do grupo estava bem, todos conseguiram descer pela corrente sem problemas. Eles sabiam que não deveriam tentar me remover então decidiram que o Alberto que estava em melhores condições física iria na frente para conseguir ajuda. O Renato ficaria comigo para tentar me manter aquecida e cuidar de mim até o socorro chegar e o restante do pessoal iria descendo mais calmamente.
Minha queda ocorreu em torno das 4h 15m. O tempo foi passando. Tentei dormir, mas a dor e o frio não deixaram. Já havia passado um bom tempo e eu comecei a tentar calcular quantas horas levaria para chegar o socorro. Pensei no tempo que o Alberto levaria para chegar a Porto de Cima e mais o retorno dos bombeiros a pé, pois a estrada estava interditada. Se viesse alguém, seria próximo à meia noite. Perguntei as horas para o Renato e me desesperei. Sabia que não agüentaria tanto tempo. Enquanto o Renato tentava me acalmar, apareceu um rapaz. Se apresentou dizendo ser o João do Cosmo. Eu não sabia que o Cosmo havia sido reativado e, o melhor de tudo, para minha sorte, eles estavam de plantão naquele final de semana.
Não tenho como por em palavras a imensa alegria que eu senti em vê-lo ali, Era dia claro ainda, era esperança, era tudo de bom.
A primeira providência que ele tomou foi, juntamente c/ o Renato me retirar da vala, pois a água da chuva escoava diretamente dentro dela, me congelando. Pegaram a capa de chuva do Renato, passaram-na por debaixo de mim (não sei como) e pelas pontas da capa me ergueram, sem mexer muito comigo.
O João passou em torno de mm outra manta térmica, pois a que me cobria não era suficiente. Em seguida, eles armaram uma tenda para me proteger porque havia uma garoa fina, mas persistente que incomodava bastante. Depois providenciaram comida e bebida. Agora eu suportaria a espera pelo socorro, estava aquecida, alimentada e não chovia mais sobre mim.
            Passava das 11 h quando um médico e dois bombeiros chegaram, avaliaram minhas condições . Deu sorte, conseguia mover bem a cabeça, não tinha dor no pescoço o que significava que a cervical estava intacta, mesmo assim o colarzinho desconfortável foi colocado. Pernas e braços estavam em seus devidos lugares, mas eu não conseguia mexer os braços por causa da dor insuportável nas costas. Me colocaram em uma maca, me aplicaram uma injeção para dor.
            Fiquei ali deitada bem tranqüila ouvindo-os conversar. Ponderavam se seria melhor passar a noite ali ou começar a descida ainda de madrugada. Eu estava estável e consciente poderia ficar, mas outro já queria descer já que a equipe já estava lá, assim de manhã o trabalho estaria terminado. Confesso que nesse momento fui egoísta, não pensei nos outros e no risco que corriam. Eu estava enjoada daquela trilha, não queria ficar ali, tbém fiquei com medo que eles descessem e eu tivesse que esperar sozinha, então eu pedi para descer.
            A operação começou mais ou menos há 1 h da manhã. Trabalho lento e penoso. Eu jamais havia imaginado como era o trabalho do Cosmo. Confesso que fiquei extremamente surpreendida com a eficiência, a condução e o trabalho de equipe deles e dos bombeiros. Não sei exatamente quantas pessoas estavam ali, mas era muita gente. Haviam colocado um óculos escuros para proteger meus olhos, pois chovia e tbém havia galhos e mato que batiam no meu rosto, mas eu ouvia bem as vozes de comando. A maca ia passando de mão em mão até alguém lá atrás gritar para parar. A maca era então colocada em algum lugar seguro, acredito que talvez em alguns momentos não houvesse esse lugar e as pessoas tinham que ficar me segurando. Enquanto isso, todo o pessoal que havia ficado para trás, passava por nós rapidamente e se posicionavam à frente. Isso se repetiu pela madrugada inteira. Consegui cochilar em alguns momentos, mas acho que isso os preocupava, pois sempre que acontecia, alguém me perguntava se estava tudo bem.
            Aliás isso foi outra coisa que me chamou a atenção.Imagino que houvesse muita gente ali muito p*** da vida comigo. Estavam em casa ou em Morretes cuidando das próprias vidas e de repente, tiveram que largar tudo e correr montanha acima por causa de uma maluca que resolveu fazer trilha com tempo ruim. Mas se pensavam e sentiram isso, esconderam muito bem.
            O que ficou para mim de trabalho e esforço do Cosmo e dos bombeiros  naquele dia foi o carinho, a preocupação com o meu bem estar e o do meu grupo, a eficiência, o incrível trabalho de equipe.
            Questionaram se eu percebi algum problema, se houve algo errado. Se houve, não sei dizer, só sei que eles tentaram me passar a sensação de segurança o tempo todo e que eu chegaria lá embaixo bem.
             Mesmo depois da chegada o cuidado ainda continuou. Lembraram que não havia comido nada a noite toda e me serviram um fricassê de frango.
            Concluindo, minha queda aconteceu por excesso de exaustão, tenho experiência em trilha, mas neste dia eu esqueci alguns cuidados básicos e fiz besteira. O trabalho dos socorristas foi vital, sem eles eu não estaria aqui fazendo esse relato.
            Eu gostaria de poder agradecer pessoalmente a cada um. Estou viva e bem por causa do trabalho de cada pessoa daquela equipe e, justamente, porque se dispuseram a deixar de lado seus compromissos pessoais e subir aquela montanha. Na verdade, não há como agradecer.
Que Deus os guie, vocês foram meus anjos da guarda.
...digitado por Nativo, mantida a escrita original...
Ontem foram 53 dias do acidente, a Alda esta se recuperando, Sr. Coimbra também, todos estão bem, levando em conta as devidas proporções.
Aproveito para agradecer a Alda pelo discernimento em entender os aprendizados.
Que os erros sirvam para prevenir nossos atos, se não forem divulgados não servirão de nada. Serão erros tolos escondidos, que podem gerar tragédias por somatórias de erros!!!
Boas escaladas seguras!!!